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investigandoonovoimperialismo

A água: um dom da terra e da vida, não um negócio das multinacionais

20.01.08
Se continuar a reinar a lógica do capitalismo neoliberal e a globalização imperialista, daqui a alguns anos as pessoas morrerão não só por falta de água, mas também pelas guerras e conflitos violentos que se irão gerar entre países, e blocos de países, pelo domínio dos recursos hídricos. Inclusivamente já se disse, com razões evidentes, que as guerras do futuro já não serão pelo petróleo mas sim pela água.

Observando a crise da água que avança a passos de gigante, como parte da degradação geral que o actual sistema capitalista cria ao meio ambiente, obtém-se outro ponto de vista para compreender porque é que hoje se estão a criar tantas estratégias de controlo deste precioso recurso.

Na Colômbia já se estão a dar passos para permitir o controlo total da água, já por isso o Governo Nacional apresentou à consideração do Congresso da República o projecto de lei nº 365, “pelo qual se estabelecem medidas para orientar a planificação e administração do recurso hídrico no território nacional”, como se mostrou ao país. Será que a Colômbia está a ficar sem água? Segundo o Ideam [Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais da Colômbia], existe o risco de que para o ano 2025 haja uma diminuição que afecte 69% da população colombiana. O motivo fundamental para a apresentação deste projecto, cujo propósito central é, segundo a mesma exposição: “orientar a planificação e administração do recurso hídrico, como mecanismo para assegurar a disponibilidade presente e futura da água como elemento estratégico para o desenvolvimento sustentável da nação” [1].

Um tal risco é paradoxal e na realidade é uma grande mentira, porque a Colômbia é um país privilegiado no contexto internacional, pois enquanto que a nível mundial o rendimento é de 10 l/s por km2 (quantidade de água existente numa determinada área) e na América Latina é de 21 l/s por km2, na Colômbia é de 58 l/s por km2. Neste sentido, perde-se clareza na identificação do problema que estava estabelecido com muito mais precisão na Estratégia Nacional da Água, elaborada em 1996 e segundo a qual: “Esta problemática tem como factor determinante as formas de ocupação do território e os sistemas de produção, entre os quais são particularmente significativos os sistemas tecnológicos, como factores que alteram as condições de regulação do ciclo hídrico; isto é, a relação básica solo/água/vegetação/ar e a relação sistémica entre as diferentes zonas de vida, criando os desfasamentos na disponibilidade espacial e temporal da oferta e as condições de qualidade da mesma, condições que explicam os conflitos na relação oferta/procura hídrica e portanto as limitações de desenvolvimento sustentável”. [2]

A problemática da água é uma consequência do modelo de desenvolvimento que temos, que não se caracteriza precisamente por seguir a lógica dos ecossistemas, e enquanto não se introduzirem correcções que comecem a transformar as suas tendências mais nocivas, a deterioração do chamado “recurso hídrico” continuará a ser a manifestação de problemas que não estão nas bacias hidrográficas como tais, mas sim no conjunto do território [3].

Que disposições traz a lei da água?

Tradicionalmente, a água tem sido um bem de uso público na Colômbia e a sua administração e manejo tem estado a cargo do estado.

Os particulares tiveram acesso ao uso e aproveitamento da água mediante um sistema de concessão que até agora, e durante quase 30 anos, foi regulado pelo Código de Recursos Naturais e pelo Decreto Regulamentar 1541 de 1978.

O projecto de lei, sem mediar um estudo nem uma análise que indique qual foi o impacto que este sistema teve na evidente diminuição da oferta hídrica na Colômbia, e quais são as novas exigências no tema da água num mundo globalizado, opta por mantê-lo, aprofundá-lo e flexibilizá-lo.

Para isso, consagram-se basicamente as seguintes figuras e critérios:

1.- Concessões de grande duração, de até 50 anos quando se trate de prestação de serviços públicos de agua potável, de geração de energia e de realização de obras de interesse público. Isto é, nos campos em que os investimentos serão mais rentáveis para o capital privado, particularmente o transnacional. Nos outros casos, até 20 anos, que é um período muito menor mas igualmente considerável.

2.- A criação de uns mercados de concessão: o projecto de lei abre a possibilidade de ceder a concessão bastando a autorização da entidade competente. No entanto, esta autorização não é necessária quando a cedência só envolva a mudança do titular, isto é, praticamente em todos os casos, pois a alteração do titular é o objectivo da cedência. Nestes casos basta informar a autoridade ambiental competente para efeitos de actualização do registo de concessões. Avançamos assim pelo caminho não só da privatização mas também da mercantilização da água [4].

3.- Só é possível rever as concessões outorgadas em caso de força maior ou por escassez do recurso que obrigue a uma redistribuição do mesmo entre as concessões outorgadas.

Perante um fenómeno como a escassez, o sistema de concessões deveria ser muito mais controlado por todas as autoridades ambientais do país, recordando que elas são corporações autónomas que podem tomar decisões individuais, permitindo desta maneira que possa haver subornos para a outorga das concessões. Dever-se-ia, pelo menos:

1.- Suspender a outorga de novas concessões até se fixarem os caudais ecológicos das correntes em estado más crítico.

2.- Estabelecer os critérios para dar as concessões, seguindo claramente uma ordem de prioridades que atente realmente em primeiro lugar o consumo humano e que tenha em conta as características do território e o seu uso adequado para o qual a ausência do tantas vezes mencionado estatuto de zonificação é uma carência muito notória.

3.- Dever-se-iam estabelecer diferentes condições de acordo com o tipo de uso que se vai realizar, pois não é a mesma coisa o uso agro-pecuário tradicional, o uso agro-industrial e o uso industrial, que de acordo com as tendências actuais inclui o engarrafamento da água para a sua venda e exploração.

4.- O limite das concessões não deve ser unicamente o “caudal ecológico”, mas a este deve ser adicionada uma percentagem de reserva para futuras concessões, pois de contrário o caudal disponível pode ser restringido por algumas actividades.

Para o eminente economista e politólogo Samir Amin, a estratégia de expansão hegemónica dos Estados Unidos concentra-se agora no petróleo, mas amanhã o objectivo será a água. “Agora querem invadir o Iraque, -advertiu Samir Amin no Terceiro Fórum Social Mundial de Porto Alegre-, mas não se surpreendam se depois decidirem invadir a Amazónia.”

Só o tempo dirá se o que diz este senhor é acertado ou não, mas desde já podemos estar seguros de uma coisa: se o ALCA, o Plano Puebla Panamá, o Plano Colômbia e os Tratados de Livre Comércio com os nossos países se consolidarem definitivamente, isso propiciaria a privatização e estrangeirização dos mais valiosos recursos da América Latina, das Caraíbas e da Colômbia, entre eles como acertadamente é denominada a água: fonte de vida.

Si esse futuro infernal acontecesse, se o povo colombiano não pudesse deter a avalanche de dominação imperialista que nos cai em cima, engrandecida e violenta como nunca antes, teríamos de se ver como se venderia por todo o mundo a nossa riqueza hídrica, a preços fabulosos, sob o rótulo de empresas norte-americanas, enquanto que na região as pessoas morreriam à sede se não tivessem capacidade para comprar o que sempre foi seu: a água.

Por isso, a Associação Camponesa do Vale do rio Cimitarra exige ao governo da Colômbia que derrogue este projecto de lei, já que claramente o nosso país não tem a necessidade da sua existência, porque como território privilegiado temos grande quantidade do recurso que o povo pode administrar de forma excelente, aplicando políticas de consumo sustentáveis. Por isso, a associação propôs como estratégica a protecção hídrico-ambiental da Zona de Reserva Camponesa do Vale do rio Cimitarra, que no seu plano de desenvolvimento contempla a protecção de todas as bacias hidrográficas que existem no seu território, de maneira que se possam utilizar para uso e subsistência de toda a comunidade camponesa.

Se isto não acontecer, se o projecto de lei for aprovado, no futuro no nosso país só consumirá água aquele que a possa comprar, e deixará de ser um dom da terra e da vida para converter-se num privilégio dos ricos.

Notas:

[1] Projecto de lei No. 365.

[2] Ver “Memoria Técnica da Estratégia Nacional da água”, Minambiente, Bogotá, 1996. Pág. 39.

[3] Comentários ao projecto de lei da água e campanha para a defesa da água como bem público.

[4] Idem.


Torneira - Autor: Angel Boligan, Cagle Cartoons, El Universal, Mexico City

Cartoon da autoria de Angel Boligan, Cagle Cartoons, El Universal, Mexico City


Texto da autoria da Equipa Técnica da Associação Camponesa do Vale do rio Cimitarra, publicado na Agência Prensa Rural a 12 de Janeiro de 2008. Tradução de Alexandre Leite.


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