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investigandoonovoimperialismo

Os filhos de Fouché

18.02.08

Não é difícil encontrar na história, personagens infames que mudam de ideias, de líderes, de bandeiras políticas e discursos, sem a menor vergonha e com muita insensibilidade, tal como se fosse uma mudança de camisa, ou uma alteração no menu alimentar, etc… Estes sem-vergonha caracterizaram-se sempre pela sua habilidade em disfarçar a astúcia com “eficiência” e as suas vergonhosas reverências em disciplina e respeito. Astutas e perigosas serpentes, hábeis escorpiões! Que ostentam importantes cargos de poder no aparelho de Estado, disfarçados de revolucionários, os quais, por nosso descuido, cravaram os seus espinhos nas costas do povo.

Quem souber de história, certamente conhecerá Joseph Fouché. Para quem não sabe, bastaria dizer sobre esse personagem, bem qualificado como “o rei dos trânsfugos”, o seguinte:

Ninguém foi mais astuto do que Fouché. A história irá sempre recordá-lo como o troca-tintas, o trânsfugo, o pior de entre todos os traidores. Fouché, que sendo um fiel religioso e devoto da Igreja e do Rei de França, se converteria em participante da revolução francesa (1789) conspirando contra a igreja e votando a favor da morte de Luís XVI; mais tarde visto como o mais intolerante – atira pedras – ministro dos Jacobinos, e homem de inteira confiança de Maximiliano Robespierre (líder da revolução francesa), no momento em que os seus interesses se viram ameaçados não duvidou em conspirar contra Robespierre, até levá-lo à guilhotina; depois foi ministro de Napoleão durante 10 anos e acabou por conspirar também contra o imperador, entregando o poder novamente à monarquia, desta vez nas mãos de Luís XVII (irmão de Luís XVI). Mas talvez o ponto central da sua história – e é o que mais nos interessa ressaltar – foi que terminou a sua vida coberto de muitas riquezas e reconhecido pelo rei e pela igreja, como seu “humilde” servidor. Só hoje os seus legítimos herdeiros poderiam conseguir semelhante legado!

 

Fouché
Joseph Fouché (1763 -1820)

A Revolução Bolivariana encontra-se flanqueada por todos os lados. Ataca-nos o imperialismo, utilizando os seus lacaios agrupados na erradamente chamada “oposição venezuelana”, e também os seus lacaios na Colômbia e no Mundo, e outros que até agora não conseguimos identificar. Os seus golpes, principalmente depois do 11 de Abril, têm sido mediáticos. Mas talvez o maior golpe que a revolução recebe – e não de forma mediática mas de forma objectiva – vem daqueles que se intitulam seus legítimos filhos.

Estes bastardos são os mesmos infiltrados e oportunistas de sempre, que abrigados nas nossas limpas bandeiras da Unidade atentam contra a revolução; são eles os indignos buscadores de fortuna, astutamente disfarçados de revolucionários junto dos seus testa-de-ferro; traidores que não duvidarão a passar para o bando da reacção no momento mais oportuno. São eles os filhos de Fouché.

Venezuela na encruzilhada?

Na Venezuela vivemos uma revolução muito particular (sui generis) sem exemplos parecidos na história. A Revolução Bolivariana não contou até agora com uma direcção revolucionária como a tiveram os jacobinos, os bolcheviques, os revolucionários cubanos, vietnamitas, chineses, etc. Até agora a Revolução Bolivariana não possui um partido ou partidos verdadeiramente revolucionários, com uma identificação ideológica proletária definida – muito menos consolidada. Sob as velhas estruturas do Estado e o arcaico ordenamento legal burguês a revolução pretende construir o Socialismo e desenvolver-se na mal entendida “Democracia” (interpretada pelos lacaios como libertinagem). Mas talvez a maior particularidade da nossa revolução, e que faltou noutras, é a enorme quantidade de recursos naturais e económicos que outorgam ao Estado venezuelano – à Revolução Bolivariana – um poder financeiro e geopolítico sem comparação. O paradoxal é que longe de isto ser um ponto de apoio para impulsionar a revolução, resultou, sem dúvida, num problema para ela.

O Estado burguês herdado pela revolução, essa velha estrutura cheia de privilégios e de travões burocráticos, começou a passar-nos a factura, corrompendo – por falta de uma firme consciência revolucionária – muitos dos nossos quadros médios e altos que manejam o seu aparelho. Não espanta encontrarmos personagens, as quais, ainda que conservem um discurso aceso e se vistam de vermelho, hoje têm práticas que correspondem às de um pequeno burguês em busca de mais glórias pessoais: promoções, mais privilégios e negócios.

A explicação de tudo isto pode resumir-se, em parte, às particularidades da nossa revolução que já descrevemos anteriormente e ao ecletismo ideológico do movimento revolucionário, que não permitiu a formação de uma consciência clara entre os revolucionários (com valores, moral e ética verdadeiramente revolucionária). Para muitos, por exemplo, não representa um problema possuir um luxuoso veículo todo-o-terreno, desfrutar de férias em Miami e Florida, ou pior, conciliar “alianças” com os lacaios dessa chamada “oposição”.

Mas outro factor, também não menos fundamental, foi a incompreensão das nossas próprias bandeiras políticas. Falamos da Unidade e em nome dela sacrificamos (ou adiamos) a luta contra a corrupção e a burocracia. Esquecemos que a revolução é um acto de consciência; e que as ideias só podem tocar o povo sempre e quando a moral e a ética revolucionárias de quem as proclama estiverem presentes.

A corrupção e a burocracia são também nossos inimigos políticos e, como tais, temos de os enfrentar. O 2D foi também a expressão da desmoralização do povo.

O Comandante Chávez continua a agir sozinho. É o Deputado, o Alcaide, o Governador, o encarregado de todas a Missões, o Ministro, tudo. A burocracia do Estado e a ineficiência de muitos quadros políticos estruturaram uma completa ameaça de desgastes, convertendo o Comandante numa espécie de Titã solitário preocupado em resolver todos os problemas que correspondem às instituições do Estado; num Titã que enfrenta as burguesias mediáticas; enfrentando e denunciando os açambarcadores e os especuladores. Seria importante perguntar: Onde estão os Ministros e o resto dos quadros políticos médios designados nos pontos-chave do Estado? Porque não percorrem as ruas e não abraçam o povo? Porque se deixa o Comandante Chávez sozinho na sua titânica tarefa? Porque é que as iniciativas têm sempre de partir do Comandante?

Sem dúvida, a Revolução Bolivariana encontra-se na encruzilhada. O inimigo que nos ataca de vários flancos não cessará o seu empenho até destruir a revolução.


Os Absurdos

No dia 31 de Janeiro do presente ano, aparece na imprensa a seguinte informação, que copiamos de seguida, no jornal diário Ultimas Noticias: “Félix Osorio, ministro da Alimentação, anunciou ontem que na reunião dos sectores privados e da Câmara Láctea se acordou uma nova modalidade para a entrega de divisas para o sector dos alimentos, especificamente para o leite em pó e o leite UHT”.

Pergunto aos ministros: Por acaso é um absurdo pensar que o Estado pode por ele próprio procurar os mantimentos importados (leite, carne, etc.) sem recorrer ao privado?

Félix Osorio, Ministro da Alimentação da Venezuela
Félix Osorio, Ministro da Alimentação da Venezuela

Tentaremos explicar esta situação sendo comedidos nos qualificativos. Diremos simplesmente que o CADIVI [Comissão de Administração de Divisas] e o Ministro da Alimentação se “equivocam”.


O verdadeiro absurdo reside nesta decepcionante notícia.  

Depois da nova sabotagem perpetrada pela burguesia, com claros objectivos políticos dirigidos a incidir – como aconteceu – no referendo de 2D e que se estende como parte de uma mesma estratégia bem desenhada para desestabilizar o governo revolucionário, neste novo ano também eleitoral (referimo-nos ao açambarcamento e à especulação dos produtos de consumo – de primeira necessidade), não podemos qualificar menos do que absurdo, que se pretenda, desde o Estado, continuar a apoiar e promover os verdugos da revolução para que continuem a controlar esta nevrálgica actividade.

“Quem não conhece a história está condenado a repeti-la”. E acontece que a mesma história da Greve Patronal de 2002 se repete agora, claro está, sob outras condições. É a mesma lição que não conseguimos superar.

A explicação para isto podemos encontrá-la nos seguintes pontos. Vejamos.

1- Carência de ideias.

2 - Resistências à mudança.

3 - Falsa concepção do Estado.,

Os dois primeiros pontos, apesar estarem entendidos, preferimos omitir a sua explicação para este artigo. Ambas (carência de ideias e resistência à mudança) se encontram entrelaçadas e respondem à influência da pequena burguesia dentro do processo revolucionário. Isso já o explicámos noutros artigos. Mas o ponto 3, consideramos fundamental a sua explicação para entender a lógica do procedimento dos nossos ministros.

A burguesia e a pequena burguesia deram-se ao trabalho, desde sempre, de desprestigiar o Estado, culpando-o da burocracia e corrupção como problemas intrínsecos e naturais que resultam da sua própria existência, como se o Estado fosse um robô com inteligência artificial, na qual o humano não participa na sua condução. O objectivo é óbvio: destruir o Estado, procurar a anarquia e evitar a revolução.

Para o êxito dessa acção, a classe política da burguesia, alavancada nesta “nossa triste oposição desnacionalizada e corrupta”, inclusive, até a pequena burguesia que acompanha a Revolução Bolivariana, tomaram como bases as experiências do passado, para tentar fazer-nos crer que “a natureza do Estado é a mesma em toda a história; a mesma para o capitalismo e para o socialismo. Que os Estados nacionais são um Ente estranho e separado da sociedade e do governo que dirige o país”. Nenhuma ideia poderia ser mais falsa que esta! Vejamos porquê.

A burguesia e os seus aliados internos desenham o Estado como uma Entidade omnipotente com poder alienante próprio; e que actua de forma autónoma por cima das classes sociais e as submete aos seus desígnios; que a sua existência se justifica pela sua natureza burocrática, corrupta e hermética. Com este último, os nossos lacaios tentam, qual Pilatos frente a Jesus, lavar as suas mãos culpando o Estado dos seus infames desvios e os pequenos erros cometidos quando eram governo.

Esquecem que o Estado é o instrumento político, jurídico, administrativo, orgânico e repressivo da classe política que ostenta o poder. Por outras palavras, para o nosso caso, o Estado é o instrumento da revolução. Gramsci dizia que: “o Estado é um conjunto de instituições no qual a sociedade se representa e se desenvolve”.

Eis aqui o âmago de todo este problema. Por um lado existe uma errada concepção do Estado por parte dos revolucionários, e por outro, os nossos ministérios – que são parte da estrutura do Estado – hoje, lamentavelmente, ainda respondem à velha estrutura e aos interesses das classes políticas que sempre o dominaram, a burguesia. Noutras palavras, não respondem às exigências da revolução.

O nosso Ministro da Alimentação não entende o grave dano que as suas acções causam à revolução, ao outorgar mais poder ao inimigo do povo. Abutres não guardam carne! Não existem burgueses bons nem empresários socialistas! Eis aqui as consequências das falsas teorias contra-revolucionárias de Haiman El Troudi.

Agora repetimos a pergunta ao povo. Por acaso é um absurdo pensar que o Estado pode por ele próprio procurar os mantimentos importados (leite, carne, etc.) sem recorrer ao privado?

Texto de Basem Tajeldine, publicado na Aporrea a 7 de Fevereiro de 2008. Tradução de Alexandre Leite para a Tlaxcala e Tirem as Mãos da Venezuela.
 


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