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investigandoonovoimperialismo

As origens do fascismo na Europa

18.10.13

Um dos maiores mitos reproduzido nos establishments económicos e políticos europeus é que as políticas de austeridade promovidas na União Europeia pelo governo alemão são consequência do medo de que esse país, Alemanha, corra risco de inflação, pois assume-se (erradamente) que foi a inflação que causou o surgimento do nazismo na Alemanha e a vitória de Hitler naquele país. Daí a necessidade de levar a cabo as políticas de austeridade (com os cortes da despesa pública, incluindo a social, e a diminuição dos salários que caracteriza tais políticas).

Esta explicação do que está a ocorrer na Europa alcançou a categoria de dogma, de maneira que quando se explica a razão do Banco Central Europeu ter como objectivo principal (na realidade, único) o controlo da inflação, a resposta habitual é a de que foi uma condição imposta pelo governo alemão e pelo seu Banco Central, o Bundesbank, para que se estabelecesse o Banco Central Europeu, e isso como resultado do temor do governo alemão de que a substituição do Marco pelo Euro pudesse fazer disparar a inflação.

Este mito, no entanto, é fácil de mostrar que não tem correspondência com o ocurrido na Alemanha. O historiador económico Frederick Taylor, num interesante artigo “The German trauma”, publicado no New Statesman (05.09.13), questiona esta interpretação, aportando dados que assinalam o erro dessa suposição. Mostra, em primeiro lugar, que a inflação não estava limitada à Alemanha, pois outros países, como a Áustria, Hungria, Rússia e Polónia, tinham tido também uma elevada inflação, sem que isso tivesse levado ao surgimento do nazismo. E noutros momentos, Grécia, Itália e França tiveram também níveis elevados de inflação sem que aparecesse um Hitler na sua vida política. A inflação, portanto, não foi a causa do nazismo.

Na realidade, se virmos a evolução económica, relacionando-a com a política, vemos que Hitler foi eleito em 1933. E o quecaracterizou o periodo pré 1933 não foi uma elevada inflação, mas sim uma enorme depressão económica, acompanhada e causada, em parte, pelas enormes políticas de austeridade que se estavam a impor e que criaram uma enorme destruição de postos de trabalho (seis milhões) e uma grande insatisfação e irritação popular com o establishment político do país, algo semelhante ao que está a ocorrer agora na periferia da União Europeia. E nesta depressão, como assinalava Taylor, havia deflação, o contrário da inflação.

Esta enorme austeridade estaba a ser imposta pelo establishment económico e financeiro alemão (que Taylor define como a upper class [classe alta] da Alemanha). Esta austeridade considerava-se necessária para pagar os enormes custos das compensações que os aliados tinham imposto à Alemanha perdedora da I Guerra Mundial (e cuja severidade havia sido denunciada por Keynes no seu livro The Economic Consequences of the Peace [As Consequências Económicas da Paz], escrito em 1919). E também tinha por objectivo controlar o perigo de inflação, consequência da elevada dívida pública e do grande défice público (resultado do pagamentos das compensações). Dita austeridade teve sucesso na redução da inflação (redução que beneficiou a tal classe alta), mas prejudicou grandemente as classes populares. Daí surgiu o nazismo, baseado na irritação popular, e ajudado pelas profundas divisões das esquerdas.

Europa, cartoon, economia,

Cartoon de Pavel Constantin, Roménia


É interessante assinalar as semelhanças com os períodos actuais. Estamos a ver um repúdio das classes populares em relação a esta Europa que não consideram, e com razão, a sua Europa. E este repúdio inclui os partidos governantes ou ex-governantes de esquerda, que contribuíram para esta austeridade. Daí o surgimento do fascismo de base popular pela Europa, realidade que o establishment europeu (incluindo as suas esquerdas governantes) facilitou o seu surgimento, e que agora não entende. As lições dos anos trinta explicam que depois da II Guerra Mundial, os aliados agiram de forma diferente do que tinham feito após a I Guerra Mundial, perdoando metade da dívida que a Alemanha tinha para com os aliados, processo que a Alemanha actual, beneficiária daquela medida dos aliados, se recusa aceitar em relação a aqueles países, como os países periféricos, que acumularam enormes dívidas coo o Estado alemão e com os bancos alemães, resultado das políticas de austeridade que têm vindo a impor. Esta é a situação que está a levar ao aparecimento do fascismo popular na Europa.


Texto de Vicenç Navarro publicado no El Plural a 14 de Otubro de 2013. Tradução de Alexandre Leite.


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