Europa, o velho ventre imundo
São movimentos com base nas classes médias baixas conservadoras esmagadas e condenadas pela política do grande capital financeiro mas que -estimulados pelos grandes meios de comunicação- desviam o seu ódio contra o movimento operário, os sectores mais pobres da população, como os imigrantes, os Outros (muçulmanos, judeus, ciganos) e os “políticos” e não contra os seus verdugos. Estes movimentos reaparecem e prosperam nos momentos de crise económica e de necessidade de redefinições políticas: os anos 20 depois da Primeira Guerra, em Itália, pouco depois na Alemanha em crise, na França, Espanha e Inglaterra, Hungria, Roménia, Polónia nos 30, novamente em Itália com o Uomo Qualunque de Guglielmo Giannini em 1944-1946, logo a seguir à guerra e quando era preciso definir se o país seria monárquico ou republicano, de novo na França com Pierre Poujade em 1953.
Este último, pequeno comerciante (tinha uma livraria/papelaria) formado entre os fascistas franceses de Jacques Doriot e ex-militante do regime racista e fascista de Vichy, colaboracionista com os alemães até terem ocupado toda a França, chegou a fazer comícios com 200 mil pessoas e a obter 11.6 por cento dos votos e 52 deputados, um dos quais foi Jean-Marie Le Pen, ex-combatente em África contra a independência das colónias francesas. Poujade sonhava um capitalismo de pequenos e médios comerciantes e industriais, sem estrangeiros nem sindicatos nem grandes capitalistas e financeiros (para ele todos judeus e maçons), com um Estado de “Ordem”. Ao contrário da Frente Nacional de Le Pen, que tem hoje o apoio de mais operários que todos os partidos “de esquerda” juntos, o seu movimento semifascista de massas, antecessor da Frente Nacional lepenista, acabou por se dissolver entalado por um lado pela forte resistência dos trabalhadores e da intelectualidade esquerdista e, por outro lado, pelo veloz crescimento do capitalismo francês nesses anos, que lhe retirou a base das massas.
Marine Le Pen e a sua FN acabam de derrotar a aliança de todos os outros partidos de centro-direita e de centro-esquerda, nas eleições locais em Brignoles no departamento de Var, uma zona conservadora do sul de França. A abstenção chegou a 60 por cento demonstrando que a maioria não apoiava ninguém nem acreditava em ninguém. Dos votos expressos, a FN conseguiu 53 por cento dos votos (ou seja uns 20 por cento do eleitorado potencial). Parte da centro-direita evoluiu para o neofascismo, disfarçado para a ocasião de direita nacionalista “responsável”.
Como se fabrica o caldo de cultura destes movimentos? Graças ao centro e à pseudo-esquerda. Nos anos 20, por exemplo, os conservadores italianos optaram pelo fascismo para enfrentar os operários. Os sindicatos socialistas reformistas submeteram-se ao governo de Mussolini. É sabido, os comunistas dirigidos por Estaline-Togliatti acreditaram que era possível uma frente com os “irmãos de camisa preta” contra o grande capital e, uns anos depois, Estaline fez o pacto Molotov-Ribbentropp que reforçou Hitler e Mussolini. Igualmente o partido comunista alemão tinha feito acordos com os nazis contra a social-democracia que governava Berlim, por considerá-la o inimigo principal e legitimou assim Hitler. No início os comunistas franceses apoiaram Poujade acreditando poder manipulá-o. Para além disso, no plano ideológico, o nacionalismo e o chauvinismo dos grandes partidos comunistas italiano e francês (o primeiro com as suas reivindicações territoriais contra a Jugoslávia em Trieste e Ístria, o segundo com a sua greve contra “o aço alemão” em apoio da siderurgia francesa e com a expulsão de trabalhadores de cor nalgumas localidades parisienses que controlava), uniram-se ao racismo dos socialistas franceses na defesa a qualquer custo do colonialismo na Indochina e na Argélia “francesa”. Não é de estranhar que ex-votantes e membros do partido comunista francês apoiem hoje a Frente Nacional nem que o chauvinismo deste aumente quando o ministro do Interior de Hollande, o “socialista” Valls, declara que os roms ou ciganos devem ser expulsos porque têm características genéticas inassimiláveis. Se os socialistas fazem a política da direita na Grécia, em França, na Escandinávia e o grande capital necessita eliminar totalmente a resistência operária e, sobretudo, afastar o medo de ruptura social como consequência da suas políticas de ajuste, como se pode esperar que o centro-direita não deslize para a extrema-direita, como se pode esperar que ela não cresça abrindo caminho a governos “duros”? O antídoto contra a direita é, antes de mais nada, uma campanha de educação e uma política anticapitalista, um governo dos trabalhadores de todo o tipo, pluralista, democrático, internacionalista. Se é para enterrar a velha República capitalista, tem de ser para dar origem a uma República social e solidária de todos os trabalhadores nativos ou imigrados.
Texto de Guillermo Almeyra publicado no jornal mexicano La Jornada em Outubro de 2013. Tradução de Alexandre Leite.