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investigandoonovoimperialismo

Le Pen, Macron e o Fascismo Global

08.05.17

Ainda é recente a disputa Clinton-Trump e chega-nos agora outra: Macron-Le Pen. E, como na primeira, os meios de comunicação sensatos assinalam-nos a opção “boa” e a “má”. Le Pen, dizem, representa a perigosa extrema direita anti-europeia. A esquerda, receosa do “neoliberal” Macron, não tem tão clara a sua opção. Mas o dilema resolve-se identificando a Le Pen com o fascismo…

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 Fonte: ‘La Vanguardia’

 

Vejamos… A Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen mudou muito desde que o tempo em que era dirigida pelo seu pai, Jean-Marie. Nas questões de emigração, hoje diferencia-se muito pouco de qualquer partido “liberal” ou conservador. Boa parte das suas propostas sobre emigração assemelham-se a medidas reacionárias de governos europeus (britânico, holandês, suíço…) não considerados de ultradireita. A sua ênfase explícita contra o islão (contra o “fundamentalismo islâmico”, como prefer dizer a líder) sim seria, com matizes, um elemento diferenciador da FN. Inclusivamente a sua defesa de um laicismo mais radical parece inspirada por um grau nada despiciendo de islamofobia, pelo menos de facto.

Quanto ao resto, na maioria das questões sociomorais, a FN apenas se distingue das correntes tidas como progressistas (já não se opõe às uniões homossexuais, nem ao aborto; nem defende a pena de morte; mantem-se, isso sim, contrária à eutanásia). E em assuntos económicos e políticos, as suas posturas são em grande medida semelhantes às que defende hoje a esquerda de Mélenchon: defesa do setor público, questionamento da União Europeia (UE), resistência à OTAN e ao FMI, tudo isto desde uma ótica nacionalista e antiglobalista. Opõe-se, até, ao acosso à Rússia e às guerras do Império de forma (ainda) mais expedita que a citada esquerda.

O Fascismo Global

Chamar a Le Pen “fascista”, como é feito por setores da esquerda, parece exagerado e, sobretudo, anacrónico. O fascismo real, o histórico, ao qual se pretende igualar a FN, surgiu sobretudo para fazer frente ao comunismo, encarnado na União Soviética. Hoje não existe nada disso. O que há, em seu lugar, é um império ultracapitalista de clara projeção unipolar que busca a hegemonia planetária absoluta. Em todo o caso, quando se vêm as coisas em perspetiva, não é difícil compreender que a questão não é se o partido de Le Pen é ou não fascista, mas sim onde está o maior e verdadeiro perigo para a liberdade, a paz e inclusivamente a sobrevivência no mundo. E aí é onde, dispostos a usar a palavra, convém voltar a falar de Fascismo Global, que apresenta estas características:

  • Belicismo imperialista, inclusivamente “preventivo” (ao modo nazi), com a desculpa de um terrorismo “jiadista” de obscura origem e de cantilenas como as “armas de destruição em massa” ou “ditadores” demonizados.
  • Crescente liberticídio com a mesma desculpa (França, o país sobre o qual nos estamos a debruçar, está quase há um ano e meio em estado de emergência: regime excecional que não parece escandalizar ninguém).
  • Massiva espionagem a todos por parte dos serviços secretos imperiais em colaboração com as grandes empresas tecnológicas.
  • Grupos mediáticos que, com um mesmo discurso básico, controlam a informação numa escala global e cuja propriedade está nas mãos da grande banca e de empresas transnacionais.
  • Imposição ao mundo de uma política económica que assegure os negócios desses poderes, com a fachada da UE no caso europeu, os meios de comunicação convertidos em instrumentos de doutrinação geral do pensamento único, e a OTAN (surgida frente à “ameaça” soviética, hoje inexistente) como garante último do sistema, tudo evidenciando qua a nossa alardeada democracia é no fundo uma ficção, ao ser impossível de facto uma mudança social real.
  • Descomunal e inédita concentração de poder global obviamente procurando implantar um governo mundial que, como se depreende das características anteriores, terá um sentido totalitário, para o qual necessita, primeiro fechar o mundo acabando com os governos (Síria, Irão, Rússia, China, Venezuela…) que saem do guião.

Este é Fascismo que deveria preocupar-nos, o que nos engana, espia, amordaça, acossa e ainda derruba governos legítimos, tritura os povos dissidentes, arrasa e destrói países. O Fascismo Global, raivosamente elitista e supremacista, utiliza (supostos ou reais) fascistas menores (desde Trump até à Aurora Dourada, passando pela FN) como cortinas de fumo e bodes expiatórios. A globalização derrama sangue dos povos e valores cada vez maiores nas contas dos opulentos. O Sistema-Império.

O mesmo que já conseguiu pôr contra a Rússia o néscio Donald Trump, e cujo representante atual na França não é outro que Emmanuel Macron.

Se Marine fosse uma fervente otanista, o Sistema odiá-la-ia tanto?

 

 

Texto de JF-Cordura publicado a 5 de maio de 2017 no blogue En Pocas Palabras. Tradução de Alexandre Leite.


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