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investigandoonovoimperialismo

Marx fala sobre os 25 anos da Queda do Muro de Berlim

09.01.15

Marcelo Colussi (especial para ARGENPRESS.info)

Não posso dar os detalhes precisos, só simplesmente fazer saber que recebi esta carta. Com o meu fraco alemão consegui fazer a  tradução, e como creio que isto é muito importante, faço circular o texto de na sua versão espanhola [e agora esta tradução para português].

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Trabalhadores do mundo:

As forças da direita internacional festejam com alvoroço estes 25 anos da Queda do Muro de Berlim. Mas equivocam-se. O que festejam na realidade? O fim do socialismo?

A história, contrariamente ao que disse esse apologista do sistema, de apelido Fukuyama, há alguns anos atrás, não chegou ao fim. De onde teria saído tamanho disparate? A história continua o seu caminho sem que saibamos para onde vai. Hoje, sem medo de nos enganarmos, dadas as características que adquiriu o sistema capitalista internacional, poderia perfeitamente estar a dirigir-se para a aniquilação da espécie humana, dado o afã de lucro imparável que o alimenta, e que bem poderia levar ao holocausto termonuclear activando todas as armas de destruição em massa que existem na face do planeta. Ou também, dado esse afã insaciável de obtenção de lucro que não pode eliminar, à destruição do planeta pelo consumo irracional que se está a levar a cabo.

As forças da direita cantam vitoriosas o seu suposto triunfo, mas na realidade não há nenhum triunfo. Como escrevi noutros tempos, na minha mocidade, sendo discípulo do Professor Hegel: o amo treme aterrorizado perante o escravo porque sabe que inexoravelmente tem os seus dias contados.

O que quis dizer nessa altura com esta frase, algo enigmática talvez, antes de me pôr a estudar economia política para depois redigir o  Tomo I de O Capital? Pois não é nada complicado: aparentemente o sistema capitalista “triunfou” de maneira inexorável sobre as experiências socialistas que se estavam a construir, sendo a demonstração palpável disso, a queda deste muro faz agora 25 anos. Supostamente, segundo a fanfarria com que essa direita apresenta as coisas, a mesma população alemã do leste, “subjugada” ao jugo socialista, teria derrubado o  tal muro para “se libertar” e aceder às bondades do capitalismo. Tretas! Tudo tretas, estupidezes com que os actuais meios massivos de comunicação apresentam as coisas.

Na realidade o que esta direita, por agora vencedora, festeja é que o Amo, para seguir a metáfora hegueliana (leia-se: a classe capitalista) afastou por uns tempos o fantasma que a persegue (a classe trabalhadora e a possibilidade que alguma vez ela se organize, abra os olhos e a exproprie, tal como aconteceu várias vezes durante o século XX, na Rússia, na China, em Cuba). Isto é: a classe por agora dominante (industriais, banqueiros, terratenentes) sabe que está sentada sobre um barril de pólvora; sabe que os trabalhadores do mundo (operários industriais urbanos –que foi o que eu mais estudei naquela altura–, camponeses, trabalhadores explorados de toda a índole, sub-ocupados e desocupados –o que eu noutra época chamei de Lumpenproletariät, isto é: população excluída e marginalizada) nalgum momento irão explodir.

A história da humanidade, e também a história do capitalismo, demonstra-o. As classes oprimidas aguentam (porque não têm outra alternativa, porque estão subjugadas, reprimidas brutalmente por vezes, manipuladas noutras ocasiões). Aguentam até que, chegando a um ponto de acumulação de contradições, estala um período de violência revolucionária, transformando-se as relações de poder, passando a propriedade dos meios de produção de uma classe para outra. Isto a direita sabe-o. Sabe muito claramente que a propriedade privada desses meios é um saque legalizado; sabe com precisão milimétrica que não pode deixar nem por um segundo de cuidar dessa propriedade, assentando-se numa exploração impiedosa. Sabe que se se descuida, se deixa de proteger com capa e espada os seus privilégios, as grandes maiorias excluídas se levantam. Por isso, dia a dia, minuto a minuto, não deixam de controlar e evitar que os trabalhadores se organizem, pensem, conheçam a verdadeira realidade. Por isso os embrutecem com dádivas: isto é, o velho pão e circo dos romanos.

Mas essa direita sabe que o barril de pólvora sobre o qual está sentada pode explodir, o que significaria perder os seus privilégios de classe. Na verdade, isso já aconteceu várias vezes no século passado. Por isso mesmo, perante o retrocesso que sofreu o primeiro Estado operário do mundo, a chamada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, as forças da direita cantaram vitória, mostrando o derrube do Muro de Berlim como a queda das ideias socialistas. Dito de outra forma: como estão tão aterrorizados com a possibilidade de que os trabalhadores reajam alguma vez, mostram esse incidente como o fracasso inexorável das ideias socialistas. Mas isso é apenas uma demonstração do pavor que sentem de ser expropriados. Daí que o apresentem como um triunfo apoteótico e que termina de uma vez com a história.

Não há dúvidas que com a involução que sofreram as primeiras experiências socialistas do mundo (a União Soviética desintegrou-se, a China abriu-se ao mercado capitalista, Cuba ficou a pairar no ar como pode), o capitalismo internacional avançou grosseiramente sobre as conquistas dos trabalhadores obtidas à força de sacrifício em décadas e décadas de luta. Por isso agora esse sistema, que se auto-apresenta como vencedor e única saída possível, permite-se explorar mais ainda que há um século atrás. Hoje em dia perderam-se conquistas sindicais, fazem-se contratos sem proteções laborais, não se respeita a jornada laboral de oito horas, espolia-se sem o menor pudor e entroniza-se a figura do “vencedor”.

Não há dúvidas que o sistema sabe que já está a chegar a sua vez, que a sua cabeça, tal qual a do monarca francês em 1789, rodará por terra. Por isso festeja este triunfo parcial –que, sem dúvida, fez retroceder muito o campo popular nestes últimos anos– como um triunfo absoluto, querendo apresentar as coisas como se com o Muro de Berlim derrubado terminasse a exploração, e portanto o ideal revolucionário socialista de transformação social.

Mas os trabalhadores do mundo continuam a ser explorados, mais ainda inclusivamente, golpeados, reprimidos. Por que razão não haveriam de reagir? Talvez hoje em dia, há que reconhecê-lo, os partidos comunistas estão um pouco despistados. As minhas ideias –que, na realidade, não são minhas, mas sim produto da reflexão científica (não digam “marxismo” mas sim materialismo histórico!)– foram apresentadas como antiquadas, fracassadas, “passadas de moda”. Nada mais contrário à verdade.

Enquanto continuar a exploração no mundo (e essa é a essência do sistema capitalista) haverá quem proteste, quem levante a voz, quem procure organizar-se para mudar a situação. Que hoje em dia essa organização e os programas políticos respetivos estejam golpeados, é uma coisa. Mas pretender que se esfumaram, que os explorados ficaram contentes e felizes com essa sua condição, que as injustiças cessaram porque o sistema ganhou esta batalha, é um erro crasso.

Não se pode esquecer que o capitalismo, como projeto económico-político, começou a surgir nos séculos XII e XIII, lá na Liga Hanseática, e demorou muitos anos até poder ter maioridade constituindo-se em sistema dominante, quase nos finais do século XVIII, tanto em França e Inglaterra como nos recém-nascidos Estados Unidos da América. As experiências socialistas não têm nem 100 anos de vida. Não esquecer! Cantar vitória porque se ganhou uma batalha é de mau guerreiro. Só demonstra é que sim, efetivamente, esse Amo treme porque sabe que já está a chegar a sua guilhotina…, ainda que neste momento se sinta ganhador.

Os 25 anos que agora se pretendem festejar não são mais que uma demonstração que o sistema capitalista não tem saída. Festeja-se o triunfo da exploração e da injustiça. Se o sistema tivesse “responsabilidade social empresarial”, como parece que agora está na moda dizer, deveria por-se a chorar pelo descalabro absoluto que criou. Só para dar dois exemplos, lapidários e conclusivos certamente: neste momento –acreditem que continuo muito próximo destes acontecimentos e estou perfeitamente informado– a humanidade produz 45% mais do que os alimentos necessários para nutrir os 7300 milhões de almas que povoam o mundo, e vergonhosamente a principal causa de morte continua a ser nada mais e nada menos que a fome! Infame, sem dúvida!. E para terminar: a principal atividade da espécie humana, a que mais lucros gera do ponto de vista capitalista, a vanguarda da ciência e da técnica é a produção de armamentos. Isto é: a defesa mortal dos privilégios de alguns. Mais patético ainda!

Portanto, camaradas, apelo a que não nos deixemos confundir por estes cantos de sereia: a direita não festeja um triunfo, ela continua em guerra, e com medo, porque sabe que os trabalhadores, tarde ou cedo, reagiremos.

Hoje, como há um século e meio, o lema não é lamentar-se pela paulada recebida recentemente nem ficar tonto a ver televisão. Continua a ser, como como escrevi com Friedreich em 1848: “Não há nada a perder, a não ser as nossas correntes. Portanto: uni-vos!”

Karl Marx e Friedreich Engels em Berlim

 Karl e Friedreich em Berlim

 

 

Texto de Marcelo Colussi publicado em ArgenPress.Info a 9 de Novembro de 2014. Tradução de Alexandre Leite.


Todos os textos aqui publicados são traduções para português de originais noutras línguas. Deve ser consultado o texto original para confirmar a correcta tradução. Todos os artigos incluem a indicação da localização do texto original.

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