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investigandoonovoimperialismo

Paraíso

18.11.17
Quem diz que "sistema" não funciona? Para os mais ricos, esta conjuntura é um paraíso (não apenas fiscal).

Um por cento da população mundial concentra agora mais de metade da riqueza mundial e os 10 por cento mais ricos controlam cerca de 90 por cento da riqueza do planeta, revela o jornal New York Times.

Os oito multimilionários mais ricos do mundo controlam o equivalente a toda a riqueza dos 50 por cento mais pobres do mundo, noticiou a Oxfam no início deste ano; esses oito têm uma fortuna coletiva de 426 mil milhões de dólares, equivalente ao total da riqueza de 3,6 mil milhões de seres humanos pobres no planeta (www.oxfam.org/en/pressroom/
pressreleases/2017-01-16/just-8-men-
own-same-wealth-half-world
).

Os super ricos aumentaram a sua riqueza combinada em 17 por cento no ano passado para acumularem um total recorde de 6 mil milhões de dólares, mais do dobro do PIB do Reino Unido. Hoje em dia há 1542 multimilionários (com fortunas de mil milhões para cima) no mundo, relata a UBS (www.ubs.com/microsites/billionaires-
report/en/new-value.html
).

Segundo este relatório, estes multimilionários são 72 dos 200 colecionadores de arte mais importantes do mundo; uns 109 multimilionários são donos de 140 das melhores equipas desportivas profissionais do mundo. Ninguém calculou ainda quantos governos compraram.

O número total de ricos (incluindo ultra-ricos) no mundo –definindo-se como aqueles com mais de 50 milhões de dólares em bens– é de aproximadamente 140900; metade deles estão nos Estados Unidos, segundo um relatório recente do Credit Suisse (https://publications.credit-
suisse.com/tasks/render/file/index.cfm?
fileid=AD6F2B43-B17B-345E-
E20A1A254A3E24A5
).

Nos Estados Unidos, segundo a Reserva Federal (o banco central estadunidense), o 1 por cento mais rico das famílias controlam 38,6 por cento da riqueza deste, o país mais rico do mundo, quase o dobro da riqueza total de 90 por cento das famílias abaixo, um novo recorde.

As três pessoas mais ricas deste país, Bill Gates, Jeff Bezos e Warren Buffett –concentram uma fortuna equivalente à riqueza de 160 milhões de cidadãos, metade da populção nacional– segundo um estudo do Institute for Policy Studies, que conclui que essa crescente brecha entre ricos e pobres está a gerar uma crise moral. Acresce que os 400 estadunidenses mais ricos têm uma fortuna combinada equivalente à riqueza de 64 por cento da população, 204 milhões de pessoas. Não tínhamos visto níveis tão extremos de riqueza e poder desde a época dourada, há um século, concluem (https://inequality.org/wp-content
/uploads/2017/11/BILLIONAIRE-
BONANZA-2017-Embargoed.pdf
).

A lista dos 400 estadunidenses mais ricos da Forbes festejou outro ano recorde para os mais ricos, para entrar no seu clube exclusivo, é preciso ter pelo menos 2 mil milhões de dólares.

A enorme influência destes ricos no governo não é nada de novo, mas é mais explícita e desavergonhada do que nunca. O governo do magnata multimilionário que ocupa a Casa Branca inclui no seu gabinete o mais rico da história do país (embora se tenha agora descoberto que um dos multimilionários não era assim tão rico como afirmava e foi expulso da lista da Forbes, o Secretário de Comércio Ross só tem 700 milhões, que não exagere).

Gates, Soros, a família Walton (da Walmart), Eli Broad, os irmãos Koch, Robert Mercer, Sheldon Alderson e outros multimilionários no apenas impulsionaram políticas em vários itens, como também conseguiram tomar controlo quase direto da agenda política. Gates e companhia elaboraram a política educativa de Barack Obama (circulava a anedota de que o Secretário da Educação, Arnie Duncan, trabalhava para Gates).

Na semana passada, parte deste clube exclusivo foi desmascarado outra vez, com os Papéis do Paraíso, projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, documentando como os ultra-ricos ocultam as suas fortunas e evitam o pagamento de impostos nos seus países, e como este grupo compacto supera diferenças nacionais, de raça, ideologia, género e religião para se proteger, e ao seu dinheiro, dos seus povos. (www.icij.org/investigations/paradise-
papers/
).

Paradise Papers offshore

Cartune de Tom Janssen, Holanda

 A desigualdade económica é a maior ameaça à democracia, avisaram vários recentemente: desde Noam Chomsky, o economista Prémio Nobel Joseph Stiglitz, Bernie Sanders, Ocupa Wall Street e toda uma gama de líderes sociais, até alguns dos próprios multimilionários (Buffett, Soros). E isto é mais visível do que nunca neste país.

“Os nossos líderes elevaram uma pequeníssima classe de indivíduos (…) e construiram-lhes um paraíso, tornando as suas vidas numa suprema delícia. Hoje em dia têm um poder inimaginável e não têm que prestar contas. Hoje em dia são estas mesmas figuras douradas, com os seus milhares de milhões offshore, as que são anfitriãs das ações de recolha de fundos, as que contratam os lobistas, as que financiam os grupos de reflexão e as que subsidiam artistas e intelectuais. Esta é a sua democracia hoje. Nós simplesmente não fazemos parte”, escreve no jornal The Guardian o colunista e autor sobre o cenário sociopolítico estadunidense, Thomas Frank, introduzindo as revelações dos Papéis do Paraíso.

Acontece que não poucos dos multimilionários estão a questionar-se sobre até quando as maiorias aguentarão tal situação, alguns inclusivamente recordam insurreições, revoluções ou grandes reformas que se detonaram noutras conjunturas de desigualdade tão extrema.

Alguns argumentam que essa oposição já se está levantando nos Estados Unidos embora num no meio de um dos tempos mais retrógrados no panorama político, tanto a nível local, em dezenas de batalhas políticas, sociais e laborais incluindo muitas encabeçadas por imigrantes em torno da desigualdade económica e fenómenos surpreendentes como o facto de que o político nacional com a taxa de aprovação mais alta, Bernie Sanders, se identificar como um socialista democrático.

Alguns insistem que para salvar os que vivem na Terra terão de ser expulsos os que ocupam o paraíso.

 

Texto de David Brooks publicado no La Jornada a 13 de novembro de 2017. Tradução de Alexandre Leite.


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