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investigandoonovoimperialismo

Pensar a violência

03.05.15

Quando o coração dói tanto que clama vingança é melhor pensar.

Esta Semana Santa foi trágica, embora esta frase não seja seguramente dita nos ecrãs de televisão e no entanto, para muitas mulheres foi mesmo. A semana começava com a notícia de cinco vidas segadas em 24 horas por causa da violência machista –em Málaga, Lérida e Gibraltar– e na quinta-feira outra mulher de 29 anos foi assassinada à facada pelo seu companheiro em Vitória e uma outra em Torreblanca (Sevilha). E, enquanto as feministas denunciavam e choravam as suas mortas, o Ministro da Saúde, Serviços Sociais e Igualdade,  Alfonso Alonso -ao apresentar os números sobre violência de género-, mostrava-se contente por terem melhorado os dados comparando com o estudo de há quatro anos e com as cifras de Espanha serem menores que as de outros países  da UE.

Quando segundo esta fonte, dois milhões e meio de mulheres sofreu violência física ou sexual por parte dos seus companheiros ou ex companheiros ao longo da sua vida, uma de cada quatro jovens assegura ter padecido dessa violência nos últimos 12 meses e 23,3% das mulheres com diversidade funcional padece de violência física, sexual ou medo dos seus companheiros, a Direção Geral da Guarda Civil reincide em escrever na Quinta-Feira Santa um tweet que já publicara em fevereiro, no qual equipara os maus tratos cometidos por homens e mulheres usando um quadro original do Ministério da Igualdade e outra imagem manipulada. Um facto mais lamentável do que desafortunado vindo de uma instituição que deveria velar pela segurança das mulheres maltratadas.

As críticas vertidas não se fizeram esperar e obrigaram a Guarda Civil a retirar o tweet e a dar uma explicação, que para além de ser escassa, não foi dada pelo Ministério do Interior, responsável político deste corpo.

A resposta institucional está longe de estar à altura das circunstâncias e os assassinatos de mulheres e menores são crimes constantes que não cessam, antes pelo contrário, se se atende às atuações e normas deste governo poderemos imaginar que continuarão, já que se está a impor a desigualdade e isso está a ser assumido pelo jovens. Se as políticas públicas baseadas nos cortes  e a rearticulação patriarcal fomentam a desigualdade, ninguém pode estranhar o aumento da violência.

Por isso, e porque este é um problema de Estado, para além de continuar a exigir actuações estatais pertinentes por um lado preventivas e por outro punitivas, para os agressores, e de proteção, atenção e reparação para as vítimas; há que continuar reivindicando as políticas de igualdade. A desigualdade é o gérmen da violência contra as mulheres  e se aumenta a desigualdade aumentará a violência.

O assassinato é a ponta do iceberg da discriminação das mulheres nesta sociedade. A infravalorização de uns seres sobre outros forma parte do ADN do capitalismo heteropatriarcal. As mulheres valem menos que os homens, os negros menos que os brancos, os imigrantes menos que os autóctones, etc. Assim, diferentemente do que aconteceu com o Charlie Hebdo, compreende-se a falta de declarações públicas e de comoção social quando cento e quarenta e sete  estudantes cristãos são assassinados no Quénia. Esta violência simbólica que se produz no terreno sensorial prepara-nos socialmente a conceber determinadas pessoas como sujeitos descartáveis e assumir a sua morte, ao passo que entendemos que outras devem ser protegidas. As mulheres são uma dessas populações descartáveis e daí deriva a escassa repulsa social contra os seus assassinatos. 

Desconstruir o quadro simbólico de referência apresenta-se como uma tarefa complexa, mas não impossível. As mensagens que se lêem nas rede do tipo: “três adeptos de futebol mortos! Era a brincar, foram só três mulheres!”, “No ano passado o machismo matou 102 mulheres. Mas calma que afinal eram só mulheres”, “O terrorismo assassinou 1338 mulheres desde 1996. Eram mulheres” têm essa finalidade.

Para além de revalorizar as mulheres e outorgar-lhes a sua valia –que é enorme–, no terreno da prática social, poderia começar-se a mostrar não apenas a existência de mulheres assassinadas –o que transmite debilidade feminina e fomenta o efeito imitação para outros maltratadores–, como também mulheres sobrevivente; principalmente quando 77,6% da  mulheres são capazes de sair do ciclo da violência.

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Cartoon de Kap, Espanha

 

Mais, nos dias hoje de tantos assassinatos, quando a violência nos dói, repugna e puxa pelos nossos piores instintos, creio necessário pensar a violência no contexto das relações conjugais heterossexuais. Centrar a análise nas relações conjugais com uma perspectiva de género implica estabelecer uma linha de continuidade e não entender a violência como uma excepção, mas como o culminar de processo. Também implicará reequacionar o modo como nos relacionamos e não entender que existe um problema “das outras” –as que são agredidas– e “dos outros” –os agressores–; é muito mais um problema geral, que nos concerne a todos e não só às mulheres e que abarca todas as relações conjugais. A violência é relacional e nas relações conjugais nem sempre primam os bons tratos. A ditadura de género traz-nos dissabores e especialmente os homens deveriam ser mais ativos na luta contra a violencia de género já que são os seus iguais os que têm o problema. A violência de género faz padecer as mulheres mas é um problema dos homens. Deveriam mostrar-se outros modelos de masculinidade onde primasse o respeito e o bom trato. Por outro lado, no caso das mulheres, o amor romântico é um logro que nos está a provocar muitos danos.

Depois de anos de reivindicação, quando o que mais temos é raiva e vontade de vingança, prefiro mudar o quadro de referência e alentar todas as pessoas –para além de denunciar a má gestão política–, a pensarem as suas relações conjugais e que o façam baseados nos bons tratos e não a partir da violência porque, apesar de que não nos ensinarem isso e muito menos aos homens, para a ternura há sempre tempo. 

 

 

Texto de Begonha Marugan publicado a 11 de Abril de 2015 no ElDiario. Tradução de Alexandre Leite.


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