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investigandoonovoimperialismo

Dois Anos Depois em Oaxaca

16.06.08

Quais são as diferenças?

 

Parte I

 

Ninguém aqui em Oaxaca diz que as coisas estão melhores. Eu estou a tentar assinalar o que é diferente, e sendo diferente, para onde poderá ir. É tudo uma questão de atitude, e comentando a existência subjectiva de uma atitude diferente fico aberta a contestação e desaprovação. Mas penso que vou tentar.

Seguidamente apresento o meu esboço daquilo que mudou desde a repressão brutal em 2006 dos cinco meses de controlo da cidade de Oaxaca por parte de movimentos sociais. O “movimento social”, não confundir com o Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação (SNTE) ou com a Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), reside na população procurando mudanças. Está viva e com saúde. Vive em todas as oito regiões do estado, fortemente situada dentro da sociedade civil e organizações não governamentais.

Muitos aspectos do movimento social prosperam de formas que eu nunca antes vi, especialmente sob a forma de organizações locais e batalhas locais. Um exemplo é o processo legal no Istmo contra o complexo internacional de energia eólica construído em terras indígenas. Outros exemplos ambientais incluem lutas contra a posse estrangeira de minas e projectos relacionados com a água.

Actualmente o exemplo mais destacado é a participação no movimento nacional de diálogo público, sobre o tema da privatização da PEMEX, a produtora mexicana de petróleo. Um assunto nacional, sim, mas Oaxaca tem Salina Cruz, a grande cidade petrolífera na sua costa sul. Em Oaxaca, as pessoas juntaram-se pela primeira vez no movimento de 2006 para discutir política pública, e estão a fazê-lo no presente.

Na segunda-feira, 26 de Maio, o fórum público da cidade de Oaxaca (entre centenas de fóruns por todo o estado) para discussão da “Reforma Energética”, (significando privatização do petróleo) decorreu na Casa da Cidade às 10 da manhã. As instituições patrocinadoras são da sociedade civil: Sinergia, Serviços por uma Educação Alternativa (EDUCA), Instituto para o Desenvolvimento da Mulher de Oaxaca (IDEMO) e o Centro de Assistência do Movimento Popular (CAMPO). Como disse o deputado federal do Partido Revolucionário Democrático (PRD), Othón Cuevas, “Com esta reunião de hoje, Oaxaca está a enviar uma mensagem a todo o México: os oaxaquenhos querem agir como cidadãos e não mais como súbditos. Eles querem produzir algum efeito antes das coisas acontecerem e não cruzar os braços perante decisões impostas do alto do poder. Este fórum também representa a exigência de uma sociedade que com justas razões se sente a cada momento menos representada pelos seus governantes e legisladores, e em consequência, quer fazer ouvir a sua voz.”

Fórum Oaxaca

Audiência no fórum. Foto de Nancy Davies.

Fórum Oaxaca

Participante no fórum. Foto de Nancy Davies.

 

Estas discussões públicas por todo o México, e no estado de Oaxaca, aparecem instigados por Andres Manuel Lopez Obrador, o “derrotado” candidato presidencial do PRD e líder da campanha anti-privatização. Lopez Obrador veio a Oaxaca na terça-feira, dia 20 de Maio. Ele falou para cerca de 1200 pessoas num evento “só para convidados” no Hotel Mision de Los Angeles. Ele recrutou centenas delas em “brigadas” para irem porta-a-porta para recolher assinaturas em oposição à privatização, e dezenas para dirigirem os fóruns estaduais.

O Partido Revolucionário Institucional nacional dividiu-se em linhas de apoio, ou não, à iniciativa de “reforma” petrolífera do Presidente Felipe Calderón. Nos apoiantes está o nosso governador Ulises Ruiz Ortiz (URO), que está em dívida com o Presidente Calderón por este o ter mantido no gabinete. Mas as coisas mudam. Quando URO estava em apuros, também Calderón estava, que mal conseguia controlar o seu Partido de Acção Nacional (PAN) e necessitava do PRI para votar com ele no congresso. Agora Calderón já tem o controlo. Entretanto uma facção do PRI, encabeçada pelo antigo amigalhaço Roberto Madrazo e por Beatriz Pagés, opõe-se à reforma da energia “porque é anticonstitucional”, e de facto é. (A divisão reflecte o conflito interno no PRI, como escreveu Heraclio Bonilla Gutierrez no jornal Noticias, “como nas famílias da Máfia sicialiana”.) Com a divisão no PRI em relação à privatização do petróleo, Calderón tem pouco a ganhar apoiando URO. Para além disso, as actividades criminosas de URO criaram um embaraço internacional, especialmente desde que começaram a circular informações sobre a provável culpa do braço executivo de URO (leia-se braço de “executores”) no estado de terror.

O discutível poder de URO diminuiu quando uma fuga de informação chegou à polícia federal. A primeira fuga veio de um general reformado, Juan Alfredo Oropeza Garnica; seguindo-se outros de posição inferior no gabinete do procurador-geral. As informações implicam claramente o braço direito de URO, Jorge Franco Vargas que era Secretário do Governo de URO quando URO andava a fazer campanha na falhada candidatura presidencial de Madrazo. Franco Vargas foi implicado em dirigir os esquadrões da morte, bem como em tortura e desaparecimentos nos crimes contra a humanidade perpetrados durante 2006. Pior ainda para URO, Franco Vargas está implicado no desaparecimento forçado, em 2007, de dois homens do Exército Popular Revolucionário (EPR), que reclama a responsabilidade pela destruição de oleodutos como retaliação. O EPR está agora a “regatear”; discutindo a situação com Calderón. URO, que apenas pode dizer que Franco Vargas agiu sem o seu conhecimento ou as suas ordens, está a transformar-se numa questão nacional e internacional.

Noutro “sinal” do declínio de URO, o Supremo Tribunal do México aceitou um processo de acusação de pedofilia que tinha sido rejeitado por tribunais de Oaxaca. O caso foi trazido pela mãe de uma criança de quatro anos que foi assediada num jardim infantil privado, alegadamente por membros da “núcleo” de amigos de URO. A não aceitação por parte do tribunal de Oaxaca indicia que URO, ou Franco Vargas, está a proteger os pedófilos. Mães unam-se! Esta mãe particularmente indignada não desiste. Mulher da cómoda classe média, ela é no entanto mais uma pessoa radicalizada por URO – ela inclui toda a repressão de 2006-2007 quando o ataca. Isto agrava a perda de poder de URO, porque embora algumas pessoas tolerem assassinatos, poucas toleram pedofilia.


 

O Movimento Nacional pela Defesa do Petróleo pode ter um papel na próxima eleição

Mas continuemos. A parte excitante é que o povo está a organizar ele próprio a oposição à privatização da PEMEX. Sendo cínicos, podemos colocar isso na mesma categoria dos protestos anti-guerra que são normalmente galgados pelos governos – mas eu sublinho o contexto de Oaxaca: um estado como muitos outros no México onde a guerra suja aterroriza a população.

Mais de 150 pessoas apareceram no fórum da cidade a 26 de Maio, uma segunda-feira, dia de trabalho, para discutir a privatização da energia. A organização do fórum deu as palavras iniciais de apresentação a quatro políticos: o deputado federal do PRD, Othón Cuevas: o senador federal do PRI, Adolfo Toledo Infazón; o senador federal do Convergência, Alberto Esteva Salinas; e o secretário-geral estadual do PAN, Carlos Moreno Alcantara. Toledo Infazón opõe-se forte e frontalmente à privatização. Esteva Salinas do Convergência estava de fatinho, mas disse as coisas certas. Carlos Morenos Alcantar argumentou que o plano de Calderón “não é uma privatização”, mas é sobre a posição do México no mundo actual. Preocupando-nos com os nossos netos, disse ele, temos de ter um plano de “recursos estratégicos para defender o capitalismo, e não termos mais governo do que o necessário.” Ele disse isso. Não estou a brincar. Os aplausos furam curtos. As suas palavras dão azo ao boato comum de que Calderón foi eleito com o dinheiro do petróleo da Exxon e da Chevron, que esperam que ele lhes pague o favor.

Com vigor e espírito, Cuevas respondeu declarando que o México e o seu petróleo não podem servir para defender os interesses dos EUA que estão a desbaratar milhões no Iraque, tentando controlar o petróleo iraquiano. A audiência respondeu com questões, e depois de um intervalo intelectuais e académicos disseram de sua justiça, seguidos novamente por participação do público. Os verdadeiros detalhes da artimanha da PEMEX (o termo artimanha é meu, é difícil acreditar que uma empresa que ganha mais de 100 dólares por barril de petróleo, não consegue reparar os seus próprios oleodutos ou pagar os seus próprios poços de águas profundas) foram explicados e expostos, no que representa provavelmente um dos mais profundos exemplos de educação pública no México, e em contradição directa com o que passa na televisão nacional.

Coincidentemente, a 19 de Maio, a Secção 22 do SNTE iniciou mais uma vez o seu acampamento anual de 21 dias para sublinhar as exigências de renovação do contracto com o sindicato. Mais uma vez, eu fui ver, bem como turistas e residentes, uma maravilhosa combinação de organização, desafio, e propaganda inteligente.

A época das chuvas em Oaxaca está a chegar, e os vendedores, sem impedimentos de ocuparem o zócalo [praça central da cidade] e as ruas à volta dele, apresentaram bonitos e práticos produtos. Mantas eram desdobradas e trazidas para as lojas, joalharia feita à mão e artesanato em barro estavam disponíveis para os turistas.

O plantón (acampamento) estende-se por 15 ruas. As exigências do sindicato, para além das exigências económicas e de educação, também incluem a liberdade para os prisioneiros políticos, anulação das ordens de detenção, e restaurar o controlo por parte da Secção 22 das escolas da Secção 59 e do PRI. Até agora não tem havido muitas respostas governamentais às exigências de pequenos-almoços, uniformes e sapatos, instalações sanitárias, cozinhas comunitárias ou material básico para as 13500 escolas de Oaxaca. A Secção 59 ainda detém escolas, e os confrontos continuam.

Acampamento de professores em Oaxaca

Acampamento da Secção 22. Foto de Nancy Davies.

 

Dois anos depois do mega-acampamento ainda não faz sentido criticar a qualidade da educação, formação e preparação de professores, porque este falhanço – este grande falhanço do governo – em Oaxaca atravessa todos os sectores. Uma maior proporção de professores da Secção 59 sem nenhuma experiência de sala de aula nem graus académicos é apontada pela Secção 22, que eles próprios irão brevemente perder a sua capacidade de distribuir os seus lugares de professores, com ou sem as mesmas qualificações. Mas o problema é tão amplo que torna necessário às escolas estatais normais, que empregam professores da Universidade Autónoma Benito Juarez de Oaxaca, darem aulas de pedagogia aos professores em greve, aos fins-de-semana no zócalo. Estes professores não têm diplomas universitários; na realidade, eles são aprendizes de professores.

No momento em que vimos pela primeira vez as cores e o movimento do plantón de 2008, no meio da nossa excitação nenhum de nós comentou quem eram os vendedores. Agora afirma-se que eles são promovidos pelo PRI, no mesmo jogo de espiar, vender e contar como os seus antecessores do PRI em 2006. Para além da infiltração, eles também servem para bloquear o acesso aos cafés à volta do zócalo, provocando mais queixas amargas contra os professores por parte de proprietários de restaurantes e cafés. Eu gostaria de comentar as mundanças, mas como posso eu deixar de lado este pequeno facto: a infiltração, de acordo com a opinião do jornal Las Noticias, representa o trabalho que está a ser feito por Jorge Franco Vargas, o infame “El Chucky”, mesmo estando ele sobre investigação de assassinatos, esquadrões da morte, raptos e desaparecimentos e tortura de activistas dos movimentos sociais em 2006. Dois anos passaram, e eu estou em frente ao meu computador a tentar apontar o que mudou. Raios!

Aqueles de nós que viveram Oaxaca, 2006, sentem um ligeiro dejá vú, apesar do tamanho da ocupação de professores ser modesta em comparação com a desse ano: os professores estão a acampar em rotação, vindo das oito regiões do estado. A cortesia (ou será precaução?) parece mais pronunciada. Os comerciantes que sofreram perdas financeiras em 2006 pedem educadamente que os professores não bloqueiem os acessos, mas com a rotação das regiões essa cortesia dissipa-se. O que os professores tentam evitar, os comerciantes conseguem. E como ninguém consegue esquecer (e muitos não conseguem perdoar), a atmosfera de 2008 também gera preocupação. A Polícia Ministerial circula no centro em carrinhas, mas não se vêem polícias no zócalo, onde os passeios estão ocupados e as mesas dos cafés permanecem vazias.

Acampamento de professores em Oaxaca

Acampamento da Secção 22. Foto de Nancy Davies.

 

A Secção 22 continua a ser o braço forte do movimento social, com cerca de 65 mil trabalhadores da educação. É o dinheiro recebido por 70 mil professores (incluindo a Secção 59) que faz movimentar a máquina da economia de Oaxaca, (ao contrário dos dólares do turismo, que em grande parte não permanecem a nível estadual). O dinheiro dos professores, perdido, deu muito prejuízo; o salário retomado e melhorado beneficia toda a economia de Oaxaca. Os salários dos professores (re-zonificação) estão sempre em discussão. Por esta altura, parece provável um acordo razoável, dentro das próximas duas semanas, entre o governo e a Secção 22 por causa de ameaças de mais desordens. O sindicato controla postos de portagem na auto-estrada, bloqueia o acesso ao aeroporto e a edifícios fora da cidade, e conduz actividades normais de greve.

A mudança mais evidente para mim não são as ocupações relativamente pequenas da Secção 22. As verdadeiras mudanças estão na resposta a esta pergunta: Onde está a Asamblea Popular de los Pueblos de Oaxaca (APPO)? Quem é o maior jogador em campo? A minha resposta, e a razão por que eu vejo uma diferença pós 2006: as pessoas organizadas.

 


Texto de Nancy Davies publicado na NarcoNews a 27 de Maio de 2008. Tradução de Alexandre Leite para a NarcoNews.


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